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2 de abril de 2015

HOMILIA DA MISSA CRISMAL 2015


Catedral de Castanhal

Querido Mons Gabriel,
Caros padres, diáconos, religiosas e seminaristas,
Irmãs e irmãos todos aqui presentes ou que nos acompanham pela TV Mãe de Deus,
Encontramo-nos hoje em nossa Catedral para celebrar a X Missa Crismal de nossa diocese com o proposito de rezar pelos nossos padres que renovam hoje suas promessas sacerdotais e se propõem viver em plenitude seu ministério sacerdotal, seguindo e imitando Cristo, Bom Pastor.
A quinta feira santa, dia sacerdotal por excelência começa no Cenáculo, entra no Getsemani e desemboca no Calvário. É nestes espaços que Jesus vive mais intensamente seu sacerdócio e é neles que também nós padres somos chamados a viver nosso ministério sacerdotal. A autenticidade e a verdade do nosso sacerdócio dependem da capacidade de nos abaixar para servir, da escolha de obedecer à vontade de Deus sem condições ou reservas e da promessa de partilhar com Jesus a morte na cruz.
1. O Cenáculo, a sala do andar de cima, onde Jesus dá o seu corpo, aparece Ressuscitado, onde os onze estão com Maria em oração na espera do Espírito, onde a comunidade se encontra para escutar a Palavra, partir o pão, celebrar a eucaristia e rezar, onde começa e chega toda missão. Esta sala do andar de cima é o nosso próprio coração de padre no qual a cada manhã precisamos voltar para crescer na experiência do encontro pessoal com Cristo, para compreender a amplidão, a largueza, a altura e a profundidade do seu amor; onde eu sinto que Ele vive em mim e me chama a permanecer nele. É aqui que chegando tantas vezes perturbado e cansado, na sua presença encontro consolo e luz, confiança, alegria e paz, força e liberdade de amar. Aqui renovo o meu “eis-me aqui!” e, refeito, parto de novo, para missão. Queridos padres, como nós poderemos ajudar as pessoas a fazer a experiência do encontro pessoal com Jesus se não alimentamos diariamente nosso amor por ele?
No Cenáculo Jesus institui a eucaristia e o sacerdócio, lava os pés dos seus discípulos, e nos ensina o mandamento do amor e da unidade. Na eucaristia Jesus doa a si mesmo, une-se a nós e se faz nossa vida. Pede-nos de fazer memória dele, de viver hoje do seu dom, de fazer do seu amor crucificado a nossa vida, de amar como ele nos amou. Jesus pede-nos que a Eucaristia seja a alma da nossa vida sacerdotal de modo que nos tornamos padres eucarísticos, padres que vivem o que celebram, nos tornamos pão partido, vida doada e vivemos nossas relações cotidianas no serviço recíproco. A vivência da eucarística e do serviço nos cura da tentação de considerarmos donos dos outros ou únicos depositários da vontade de Deus, prontos a escutar o nosso povo e valorizar o sentido da fé presente nele.
No Cenáculo, Jesus nos deixa o mandamento novo: “Amai-vos uns aos outros como eu vos amei” (Jo 15,12) isto é, com o mesmo amor com o qual eu vos amei. Nós amamos somente se nos sentimos amados: podemos amar porque ele primeiro nos amou. O seu amor por nós é fonte do nosso amor recíproco. O amor vive de reciprocidade. A comunidade não se fecha em si, se abre a todos os homens. O sinal de reconhecimento claro que somos da família de Jesus é o amor recíproco, aberto a todos começando pelos inimigos. O amor fraterno torna presente o próprio Deus, revela a sua glória, atrai a si os irmãos.
Em nossa 3ª Assembleia Diocesana, conscientes que na grande comunidade a pessoa vive no anonimato, não é valorizada e reconhecida e não tem condição de experimentar a fraternidade por falta de vínculos humanos e sociais, nos comprometemos a trabalhar para setorizar as nossas paróquias e comunidades em grupos menores, “em pequenas comunidades, formadas por um pequeno grupo de pessoas (do tamanho do grupo de Jesus), no qual as pessoas se conhecem, partilham a vida e cuidam-se uns dos outros, como discípulos missionários”(CNBB 100 - n. 246). Pequenas comunidades animadas pela Palavra, unidas na oração e na comunhão fraterna, “solidarias, servidoras e missionarias, que anunciam e sabem ouvir, que lutam por dignidade, por justiça e igualdade” (Canto CF 2015). “O amor fraterno, a amizade e a caridade com todos são os aspectos irrenunciáveis de uma comunidade cristã. Testemunhando o amor fraterno as nossas comunidades serão missionarias” (n.260)
O Cenáculo nos convida a colocar em prática o lava-pés. Ser cristão, e por isso também ser padre, ser diácono, é em primeiro lugar seguir o Redentor que assume a forma do serviço, o servo de Jahweh, que no lava-pés nos deu o exemplo de como também nós devemos reciprocamente nos comportar. “Não vim para ser servido mas para servir” (Mc 10,45). “Quem quiser ser o primeiro, seja o último e servo de todos”(Mc 9,35). Servir é diminuir a nós mesmos fazendo-nos samaritanos, carregando sobre nós a vida dos nossos irmãos, especialmente dos que mais sofrem.
2. Quinta feira Santa lembra a noite do Getsêmani, quando Jesus experimentou a solidão e o abandono dos amigos, a angustia e o medo da morte e, tentado de abandonar o projeto do Pai, viveu seu sacerdócio aceitando beber o cálice da obediência até o fim: “Ó Pai, não a minha, mas a tua vontade” (Lc 22,42). 
Também nós padres subimos o Monte das Oliveiras e entramos no Getsêmani, e como Pedro, Tiago e João às vezes deixamos de vigiar. “A falta de vigilância – diz o Papa Francisco - torna morno o pastor; o faz distraído, esquecido e até insatisfeito, o seduz com a lisonja do dinheiro e os compromissos com o espírito do mundo, o transforma num funcionário mais preocupado de si que do verdadeiro bem do povo de Deus” ( Homilia 23 maio 2013). Desta forma chega também para nós padres a hora da tentação, da fragilidade, do medo, da infidelidade e da traição. Quando não somos compreendidos e apreciados, quando falta o apoio dos amigos e os pesos parecem insuportáveis, quando não vigiamos sobre nós mesmos e os nossos sentimentos, chega então a tentação de reduzir os ideais e de encontrar um nível de mediocridade que salve as aparências e preserve a nossa imagem. Chega então a tentação de pensarmos que podemos seguir o Senhor só parcialmente ou a tempo limitado, tirando de vez em quando umas folgas, sem deixar que os conselhos evangélicos perpassem todas as dimensões da nossa vida – a sexualidade, a posse, o poder.
Se nestas horas nos lembramos do amor fiel do Senhor e de tudo o que ele fez por nós, curados pelo seu amor, conseguimos superar, vencer e nos salvar. É balsamo que cura e sara nossas feridas a lembrança do entusiasmo do primeiro encontro com Jesus, quando encantados pelo seu amor, deixamos tudo para segui-lo e no dia de nossa ordenação, prostrados no chão a ele nos entregamos definitivamente e por ele fomos ungidos e consagrados. Então lembramo-nos e tomamos consciência que somos sacramento de Cristo e o somos apesar de nossas fraquezas. Se Cristo é de verdade digno de ser seguido, devemos segui-lo com todas as energias e por toda a vida até o fim, fazendo nossa a obediência de Jesus: “Pai, não a minha, mas a tua vontade” (Lc 22,42).
Sabemos que o nosso primeiro “sim” a Deus exige tantos outros “sim” cotidianos para continuar na fidelidade o caminho de consagração: o “sim” a oração pessoal e a Liturgia das Horas, o “sim” a uma celebração da S. Missa que seja curada e interiormente preparada, nunca banalizada ou reduzida a mero rito, o “sim” a leitura orante da Palavra de Deus, que é sempre Palavra viva e nova, o “sim” ao sacramento da reconciliação, a ser administrado aos outros ou recebido por nós, o sim ao nosso Celibato que cultivamos estando na presença amorosa do Senhor, o “sim” ao silêncio para a minha alma, saindo dos barulhos e distrações de celular e internet para unir-me ao meu Deus, o “sim” ao meu bispo e a minha “família sacerdotal”, o presbitério, participando afetiva e efetivamente de todos os momentos de espiritualidade e de formação, e assumindo com entusiasmo e espírito de profunda comunhão o plano de pastoral de nossa diocese. E junto com estes “sim” cuidaremos também das nossas fragilidades que o seguimento não apaga com uma mágica, e descobriremos que elas serão motivos de humildade e impedimento para a nossa autossuficiência.
3. Como sacerdotes, somos chamados a seguir Jesus até o fim, subindo com ele o Calvário. Lá, ele crucificado e morto revela quem é Deus e quem é o homem e une ambos num único amor. Jesus crucificado é o sim de Deus ao homem mais distante e amaldiçoado e ao mesmo tempo é o sim a Deus do homem mais distante e amaldiçoado. No Calvário vemos de fato que a Vida morre, a Palavra cala-se, o Primeiro se faz o ultimo, o Senhor se torna escravo, o madeiro vira trono, o Juiz é julgado, o Justo é justiçado, o Salvador se perde, o Bendito é amaldiçoado, o Santo se faz pecado. Na cruz, Deus, abandonando a si mesmo para fazer-se em tudo semelhante a nós, nos mostra que o amor é mais forte do que a morte.
No Calvário Jesus revela completamente o seu sacerdócio e o realiza no sacrifício de si na cruz, entregando-nos o seu Espirito, o Espirito de amor. Lá no Calvário, na noite da cruz, brota o ministério sacerdotal. Lá no Calvário nós sacerdotes somos chamados a participar da obra redentora de Cristo fazendo de nossa vida uma entrega total de nós mesmos, comprometendo-nos com toda a nossa pessoa na sua missão. Como Jesus, Deus imolado, a nossa existência sacerdotal se dá despojando-nos completamente de nós mesmos e colocando-nos a disposição do Senhor e dos irmãos. A nossa só é vida de padre se for vida de amor. E nós subimos o Calvário somente se amamos de verdade o Senhor. O amor é a única força que mantem nós padres firmes lá onde devemos estar, isto é, debaixo da cruz.
Ser padre significa fazer-se humildemente cargo do lixo dos outros, dar tudo, seguir Jesus sem condições, estar unidos a Ele na sua vida e na sua morte, ser crucificados com Ele. Ele humilhou-se no seu sacerdócio e se fez obediente até a morte assumindo sobre si, em lugar dos pecadores a humilhação extrema. A humildade que brilhou no sacerdócio de Cristo na cruz, deve brilhar também em nós que na Igreja temos a missão de presidir. Presidir não com autoritarismo e aspereza, mas com o cuidado amoroso que cada homem, tesouro de Deus, merece.
Caros Padres, não esqueçamos que o óleo do santo crisma com o qual fomos ungidos no dia de nossa ordenação sacerdotal não foi — como diz o papa Francisco - para perfumar a nós mesmos e tampouco para guardá-lo num vidro porque o óleo se tornaria rançoso e o coração amargo, mas para irmos e servirmos os pobres, os presos, os doentes, os que andam tristes e abandonados.
Nós sacerdotes, escolhidos, consagrados e enviados com o dom do Espirito de vida, somos convidados por Jesus a descer nos lugares de sofrimento e de solidão, de fraqueza e de cansaço, descer nas trevas que envolvem casais e famílias inteiras, descer nas crateras provocadas pelas violências, divisões e injustiças, descer lá onde se apagou a vontade de viver e esperar. Descer e curvar-nos sobre os caídos e esmagados. E levantá-los, carrega-los, escutá-los, curá-los, abraça-los, amá-los, dando-nos e entregando-nos a eles, anunciando-lhes com a vida o amor e a misericórdia do Senhor que tudo perdoa, renova, ilumina e salva.
Obediente a Deus através da Igreja, exigente antes de tudo consigo mesmo, para zelar sua vocação e seu ministério, instrumento da terna proximidade de Deus aos homens, consciente de ser sempre ao mesmo tempo pastor e discípulo: assim rezamos que possa viver o seu ministério cada sacerdote hoje, de modo particular nós que somos e servimos esta Igreja Castanhalense, alegres também nas adversidades, conscientes de ser um dom do amor de Deus, feito a Igreja e a sociedade inteira para contagiá-la com a alegria do Evangelho.
Maria, Mãe do Sumo e Eterno Sacerdote e Mãe de todos os sacerdotes, abençoe e acompanhe com sua proteção e carinho maternais nossos sacerdotes, nossos diáconos e toda a nossa Diocese. Amém.
Castanhal, 01 de abril de 2015
Dom Carlos Verzeletti
Bispo de Castanhal